CEMITÉRIOS
Conheça um pouco sobre o surgimento dos cemitérios
por Paulo Hipólito
Para que
se possa entender a história dos cemitérios, é necessário refletirmos a cerca
da evolução da concepção da morte que nortearam as práticas de enterramento
desde os primórdios da humanidade. É a partir de uma determinada crença sobre a
morte que justificará o destino que os vivos darão aos mortos. Só tendo como
guia o imaginário da morte que compreenderemos as várias formas de enterramento
na história humana.
Lewis
Mumford nos coloca algo interessante acerca da origem dos cemitérios, expondo
que “a cidade dos mortos antecede a cidade dos vivos”, uma vez que: “Em meio
às andanças inquietas do homem paleolítico, os mortos foram os primeiros a ter
uma morada permanente: uma caverna, uma cova assinalada por um monte de pedras,
um túmulo coletivo”. O que podemos tirar disso é que, desde os primórdios
da humanidade, a preocupação com o “lugar do morto” já se mostrava
presente.
No
período Neolítico, os cadáveres eram colocados em cavernas naturais onde a
entrada era fechada por uma rocha. “Eis a primeiras sepulturas dos povos
neolithicos as quais não tardam a sofrer numerosas variantes, segundo o grau de
civilização de cada grupo ou tribo, segundo os climas e a constituição
geológica do terreno ocupado”. Mas as cavernas não davam conta dos mortos,
então passaram a construir sepulturas artificiais.
Embora as
cavernas representarem as primeiras formas de sepulturas, elas não serão as
formas predominantes de enterramento no período Neolítico. Havia o chamado
dolmens, que em betão significa mesa de pedra, círculo de pedra ou pedra
erguida. Embora tivesse havido dolmens em tamanhos colossais – 12 ou 15 metros
de diâmetro – geralmente o dolmens era formado por quatro lousas toscas
colocadas n’uma cova e cobertas por uma quinta apenas aparente á superfície do
solo. Tem a forma d’uma pirâmide troncada medindo aproximadamente um metro em
largura e profundidade, de modo que o cadáver só pode ali ser recolhido
assentado e dobrado sobre si mesmo.
Percebemos,
então, que os primeiros seres humanos já demonstravam um certo respeito pelos
seus mortos, reservando-os um lugar adequado para eles. Seja pelo mal da
putrefação do cadáver, ou pela inexplicável razão para desaparecimento
repentino da força motora do corpo, o morto foi ganhando o seu espaço e
dedicação no mundo dos vivos. Muitos povos, mesmo não compreendendo o motivo
para a perda da atividade motora, sabiam que se tratava de um novo estágio do
corpo. Então alimentavam a crença de que, nesse outro estágio, os mortos
continuavam a ter as mesmas necessidades das que tinham em vida. Por isso os
mortos eram enterrados usando os objetos que mais gostavam, além de ainda serem
postos alimentos sobre suas sepulturas.
A falta
de explicação para o fenômeno da morte é o que levará muitas sociedades,
principalmente os egípcios na antiguidade clássica, a crerem na vida após a
morte. Daí os cuidado para que o corpo não se desintegrasse – os processos de
mumificação – se tornaram uma peculiaridade dos egípcios. Já os faraós, alem de
serem mumificados, eram postos em templos gigantescos – as pirâmides –
simbolizando a importância que eles representavam para a sociedade e seu poder
central.
Na
antiguidade Greco-romana, os mortos eram os primeiros que “recepcionavam”
os viajantes: “a primeira coisa que saudava o viajante que se aproximava de
uma cidade grega ou romana era a fila de sepulturas e lápides que ladeavam as
suas estradas”. Com os gregos e os romanos irão surgir muitos dos costumes
que perdurarão até hoje, como transcrever inscrições nas lápides tumulares, pôr
flores sobre os túmulos, além de alimentos. Foram a partir desses costumes que
a memória do morto passou a ser preservada e cultuada, assumindo diversas
feições ao longo dos tempos.
A prática
dos romanos em enterrar seus mortos em beiras de estradas mudará conforme o
avanço do cristianismo na sociedade. Só então que “ surgiu a tendência de
aglomerar os defuntos nas proximidades dos lugares sagrados, como tumbas de
santos e igrejas, na perspectiva do Juízo Final e da ressurreição dos corpos”.
Como o enterro estava – e ainda está – relacionado à crença na ressurreição do
corpo, qualquer outro destino para o morto – como a cremação, por exemplo – era
repudiado pela doutrina cristã, sob alegação de que outras práticas anulavam a
imagem que se tem do sono a espera do despertar.
Segundo
Araújo, os cemitérios similares aos que vemos hoje só surgem em plena Idade
Média, quando os mortos passam a lotar as dependências da igreja e o seu redor.
A igreja será quem primará em preservar os túmulos, o que fará com que o
cemitério se construa em seu redor, conforme cita Schmitt: “(...) o
cemitério é cercado por um muro, sobre o qual o bispo, quando de suas visitas
paroquiais, lembra constantemente a necessidade de conservá-lo para separar o
espaço sagrado do espaço profano e impedir os animais de vagar entre as
sepulturas”.
No
período medieval, o cemitério representará muito mais que uma necrópole, ou
seja, uma cidade restrita aos mortos. Segundo Fargette-Vissière, os cemitérios
medievais eram espaços bastante procurados e, porque não, cobiçados pelas
pessoas da época. Neles eram desenvolvidas muitas atividades sociais: De dia ou
de noite, era neles que a população das maiores cidades européias buscava se
divertir, quando não fixar residência provisória ou definitiva. Além disso, as
necrópoles eram também um espaço de cidadania, pois lá sempre estavam juízes a
comunicar sentenças, e o equivalente aos prefeitos de hoje a dar publicidades a
suas ações. Esses locais funcionavam ainda como cartórios a céu aberto. Não que
as condições ajudassem, pois já havia acúmulo de corpos e problemas de higiene
e limpeza. Mas, de fato, os cemitérios atraíam. Eram um componente da
urbanidade de então, construída através dos séculos e com origens bastante
remotos
Vimos que
os cemitérios medievais eram muito animados, mas não para por aí. Alguns
construíam até tabernas em suas dependências, pois esses locais representavam
autênticos lugares de sociabilidade; um verdadeiro ponto de encontro para quem
procurava diversão. “Os cemitérios nesta época eram completamente integrados
à comunidade, localizando-se no centro da mesma, servindo depois do
sepultamento como pasto para o gado, local de feiras, jogos, atalhos para
outras áreas e depósitos de lixo”. Os cemitérios também eram muito
procurados pelos casais, visto ser um lugar tranqüilo para o namoro, e pelas
pessoas que buscavam um relacionamento: os jovens “cortejavam as moças à
sombra dos ossários e dançavam entre os túmulos a farândola, uma dança medieval
muito popular, em que vários participantes fazem uma roda, que evolui para
outras formações”.
Mesmo
a Igreja Católica tendo proibido muitas das práticas sociais antes
desenvolvidas dentro dos cemitérios, estes ainda continuaram sendo um local de
intensa agitação até o século XIX, quando os cuidados com a higiene
transportará os cemitérios para longe das cidades.
Aqui no
Brasil, até a primeira década do século XIX, os mortos eram enterrados apenas
trajando um manto cobrindo o corpo, posto que os cuidados com a higiene não
havia se tornado praxe no Brasil imperial. Nos cemitérios de pretos, nas
principais cidades brasileiras, os escravos eram lançados em covas muito rasas
e, depois de um tempo, os corpos ficavam expostos ao ar livre, sendo que as
pessoas nem se preocupavam com isso. As pessoas conviviam pacificamente com os
odores exalados pelos mortos.
Quando a
preocupação com a higiene passou a ser tema central no império brasileiro, a
partir da segunda metade do século XIX, visto que já era uma realidade na
Europa, os governos passaram a aderir a esse novo padrão, reorganizando o
espaço e a relação dos mortos com os vivos. Segundo Reis, “uma organização
civilizada do espaço urbano requeria que a morte fosse higienizada, sobretudo,
que os mortos fossem expulsos de entre os vivos e segregados em cemitérios
extra-muros.”.
Nessa
perspectiva, os cemitérios vão agora se afastar das cidades, estabelecendo-se a
divisão entre as cidades dos vivos e dos mortos. “Hoje, em algumas cidades,
a zona urbana cresceu tanto que de novo aproximou os mortos dos vivos”,
como é o caso do cemitério São João Batista de Guarabira-PB, assim como o
cemitério de mesmo nome, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro.
Percebe-se,
no entanto, que os cemitérios se afastaram das cidades, mas não das igrejas,
sendo que cada novo cemitério construído terá sua capela situada no centro da
necrópole, onde são feitas missas e orações aos mortos. Esse padrão será o que
prevalecerá ainda nos dias atuais, mesmo surgindo outras tipos de cemitérios e
práticas de enterramento.
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