JUDAS ISCARIOTES


Judas Iscariotes, o apóstolo da traição


(~ 0 - 30 d. C.) 



 Um dos 12 apóstolos de Jesus Cristo, nascido em Kerioth, localidade da Judéia, foi o que traiu Cristo e cuja traição deu origem a expressão beijo de Judas que passou a significar a traição. Único que não era galileu, era filho de Simão de Queriote (Jo 6, 71; 13, 26), sendo seu nome uma helenização do nome hebraico Judá. Por isso alguns estudiosos entendem que o nome Judas foi diabolizado no Novo Testamento, com a intenção de agredir o povo judeu, como sendo responsáveis morais pela morte de Cristo. Durante muito tempo, a Igreja Católica associou a sua figura ao povo judeu por não terem aceitado Cristo como o prometido Messias e esta convicção tornou-se uma das justificativas antissemitistas. Segundo as tradições foi um dos primeiros a juntar-se a Cristo e provavelmente por isso e por ser um dos poucos instruídos, tomou-se o tesoureiro dos Apóstolos, ou seja, foi designado para cuidar do dinheiro comum. Por causa de seu amor ao dinheiro, também foi enganado pelos sacerdotes que o induziram a mostrar onde estava Jesus a troco de 30 moedas de prata, que naquele tempo correspondia ao preço de um escravo, prometendo que só o prenderiam durante as festividades da Páscoa Judaica. Depois da última ceia, Jesus foi orar com os apóstolos no jardim de Getsêmani. Aproximava-se da meia-noite, quando por entre os arvoredos do Getsêmani, ele chegou acompanhado por um destacamento da guarda romana e grande multidão de pessoas, com espadas, paus, lanternas e archotes, vindos por ordem do Sumo Sacerdote José Ben Caifás, para prender Jesus. O traidor conhecia muito bem os lugares onde O Salvador gostava de ficar e foi fácil localizá-lo. Conforme o combinado, em troca de trinta moedas de prata, identificou-o para os soldados romanos, beijando-o e chamando-o de mestre. Imediatamente preso os soldados levaram Jesus para a casa de Caifás, onde também se encontrava Anás, seu sogro e diversos outros sacerdotes. Lá mesmo, improvisaram uma sessão extraordinária do Conselho, o que habitualmente era realizado pela manhã no Templo, com a presença de todos os membros. Conta Mateus (27:3-10), que ele se arrependeu amargamente depois que viu a crucificação de Jesus, jogou as 30 moedas aos pés dos sacerdotes e em seguida, dominado pelo remorso, suicidou-se enforcando-se numa figueira. Também segundo a tradição, os sacerdotes pegaram o dinheiro e compraram um terreno para servir de cemitério aos estrangeiros, sendo posteriormente chamado de Campo do Sangue. No folclore brasileiro é tradição a malhação de Judas no sábado de aleluia: um boneco de palha, é enforcado em um poste ou galhos de árvores e depois de derrubado a tiros é estraçalhado ou queimado pelo povo.



"Evangelho" gnóstico diz que Judas Iscariotes não traiu Jesus


César Muñoz Acebes Washington, 6 abr (EFE).- Um documento escrito aproximadamente no ano 300 e conhecido como "o Evangelho de Judas" afirma que este não foi o traidor que vendeu Jesus por algumas moedas, mas o discípulo encarregado da mais difícil missão: a de sacrificá-lo. O texto está em um papiro de 26 páginas encontrado no Egito em 1978 e que circulou desde então por antiquários, mas cuja idade e conteúdo eram desconhecidos.

Hoje, a organização National Geographic divulgou os resultados de sua restauração e tradução.

As análises de carbono 14, a tinta, o estilo de redação e o conteúdo levaram à conclusão de que se trata de um texto escrito por volta do ano 300.

O manuscrito contém a única cópia do "Evangelho de Judas", em uma tradução ao copta do original em grego.

Por isso, Terry Garcia, vice-presidente executivo da National Geographic, o qualificou, em entrevista coletiva, como um dos três textos antigos mais importantes descobertos no último século, junto aos manuscritos do Mar Morto e aos de Nag Hammadi (Egito).

A existência do "Evangelho de Judas" era conhecida por uma referência feita pelo bispo Irineo de Lyon em seu tratado "Contra a heresia".

Mas até agora ninguém sabia o que o texto dizia. Nele, muda totalmente a imagem de Judas Iscariotes, protótipo da traição e da mentira no cristianismo.

O texto começa assim: "O relato secreto da revelação que Jesus fez em conversas com Judas Iscariotes uma semana antes da celebração da Páscoa".

O documento mostra Judas como "o único discípulo que conhece a verdadeira identidade de Jesus", segundo George Wurst, professor da Universidade de Augsburg, na Alemanha.

De acordo com o texto, Judas não O traiu, pois "só fez o que Jesus lhe pedira", afirmou Craig Evans, professor de Novo Testamento do Acadia Divinity College, no Canadá. O livro retrata Jesus dizendo a Judas: "Tu superarás todos eles.

Tu sacrificarás o homem que me cobre".

O texto se enquadra na tradição dos cristãos gnósticos, que enfatizavam a importância do conhecimento, ou "gnosis", em grego.

Não se trata do conceito atual de conhecimento, mas de um conhecimento espiritual, do caráter divino dentro do ser humano, que permite que a essência da pessoa escape da prisão do corpo e se eleve ao espaço celestial.

Por isso, para o texto, Judas, ao entregar a Jesus à morte, facilita sua saída do corpo e a libertação da divindade que Ele tinha em si, disse Wurst.

Não é a primeira vez em que é citada a hipótese de que Judas agiu por indicação de seu mestre ao entregá-Lo com um beijo. No entanto, este é o primeiro texto antigo que defende essa visão.

Evans lembra que, em duas ocasiões, Jesus pediu coisas em privado a dois de seus discípulos, segundo o Novo Testamento, e se pergunta se Sua entrega às autoridades da época por parte de Judas não seria uma terceira.

"É possível que o Evangelho de Judas tenha sido preservado na memória, e que os outros discípulos não soubessem disso", afirmou.

Elaine Pagels, professora da Universidade de Princeton (EUA), diz que os quatro Evangelhos aceitos pelo cânone cristão relatam os atos públicos de Jesus, mas não conversas privadas.

No entanto, não é de se esperar que o Evangelho de Judas seja lido nas igrejas na Semana Santa.

O padre Donald Senior, presidente da União Católica de Teologia dos EUA, disse que o texto não se baseia em nenhuma tradição histórica.

Segundo ele, o documento usa os personagens dos livros canônicos, mas "é uma expressão de uma teologia específica", a gnóstica, em sua concepção do corpo humano e da criação, que são muito diferentes da dos Evangelhos aceitos pela Igreja Católica.

Outro mistério é quem escreveu o texto. Em nenhum lugar afirma-se que o autor tenha sido Judas, mas também não se sabe exatamente quem escreveu os quatro Evangelhos, apesar de eles serem conhecidos como de Mateus, Marcos, Lucas e João.

"A maioria dos textos foi escrita em nome de uma pessoa mais famosa, como um discípulo de Jesus, afirmou Marvin Meyer, professor da Universidade Chapman, na Califórnia.
Judas Iscariotes: de traidor a herói
Documentos históricos questionam a imagem de vilão do apóstolo acusado de trair Jesus Cristo
Judas Iscariotes, o apóstolo que, por 30 moedas, entregou Jesus Cristo aos soldados romanos que o crucificaram, não foi um traidor, mas, sim, um herói. Judas agiu dessa maneira a pedido do próprio Jesus, que tinha de ser crucificado para voltar como o salvador da humanidade. Essa interpretação ganhou força graças a um antigo manuscrito do século 4 que só agora, depois de quase 17 séculos, foi revelado ao público. Chamado de Evangelho de Judas, o documento foi descoberto nos anos 1970 numa caverna no Egito e resistiu ao tempo graças ao clima seco da região. Desde então o manuscrito passou por diversas mãos até ser entregue em 2001 à Fundação Mecenas, em Basiléia, na Suíça. Trata-se de um documento de 31 páginas de papiro, cujo texto em egípcio antigo (o copta) teria sido escrito pelos cainitas, uma seita herética do início do cristianismo. O conteúdo, divulgado na última Páscoa pela revista National Geographic, é motivo de acalorados debates dentro e fora da Igreja Católica e, acima de tudo, revela quão pouco ainda sabemos sobre a vida de Jesus Cristo.
Há registros sobre a existência do Evangelho de Judas desde o século 2, quando Irineu, bispo de Lyon, na Gália romana, escreveu um tratado intitulado Contra as Heresias, no qual condena os cainitas por venerarem Judas. “Eles (os cainitas) produziram uma história fictícia, a qual chamam de Evangelho de Judas”, afirma o texto, escrito no ano 180. Estudiosos apontam que o manuscrito recentemente traduzido pelo suíço Rodolphe Kasser, um dos maiores especialistas em língua copta do mundo, é do século 4 e seria uma versão do original grego do século 2 a que se refere Irineu. O bispo de Lyon indicou os quatro evangelhos canônicos – de Mateus, de João, de Marcos e de Lucas – como os únicos que os cristãos deveriam ler. Sua lista acabou se tornando a política oficial da Igreja e perdura até hoje. Os demais manuscritos dos primórdios do cristianismo foram considerados apócrifos (não reconhecidos pela Igreja), entre eles o Evangelho de Maria, sobre Maria Madalena, e o Evangelho de Judas. Acredita-se que os autores dos textos apócrifos pertenciam, em sua maioria, ao gnosticismo, movimento religioso que rivalizou com a Igreja Católica nos primeiros séculos depois de Cristo (leia mais na próxima página).
Por essa razão, Judas sempre foi tido como um dos grandes vilões da Bíblia. Basta olhar no dicionário: judas é sinônimo de traidor, do indivíduo que trai a confiança dos outros. Todos os anos, em dezenas de países, bonecos feitos à sua imagem são malhados e queimados em praça pública no Sábado de Aleluia. Um castigo simbólico contra alguém que, segundo os evangelhos tradicionais, entregou o mestre aos carrascos no Jardim das Oliveiras, identificando-o com um beijo na face. Na nova interpretação, no entanto, Judas teria agido a pedido de Jesus, mesmo sabendo que depois seria perseguido por causa de seu ato. “Você será amaldiçoado”, teria alertado Jesus a Judas, seu discípulo favorito. Cumprida sua missão, Judas não teria se enforcado, como registram os evangelhos canônicos, mas se retirado para meditar no deserto.
“Essa descoberta espetacular de um texto antigo, não-bíblico, é considerada por especialistas uma das mais importantes atualizações dos últimos 60 anos no que se refere ao nosso conhecimento sobre a história e a diferentes opiniões teológicas sobre o começo da era cristã”, afirmou Terry Garcia, vice-presidente-executivo da National Geographic, ao divulgar o manuscrito. A opinião é compartilhada pelo especialista em escrituras bíblicas Charles Hedrick, professor da Universidade do Missouri, nos Estados Unidos. “Nesse texto, Judas não é o vilão. É o mocinho”, afirma. Na principal passagem do documento, Jesus diz a Judas: “Tu superarás todos eles. Tu sacrificarás o homem que me cobriu”. Segundo estudiosos, a frase significa que Judas ajudaria a libertar o espírito de Jesus de seu invólucro carnal.
Culpa dos judeus
Apesar da nova versão que veio agora à tona, a imagem de Judas cristalizada no imaginário popular é a do “vilão sinistro”, disposto a fazer qualquer coisa por dinheiro. Há quem diga que a construção dessa imagem fez parte de uma tentativa cristã de disseminar o anti-semitismo. Para se desvincular do judaísmo, cristãos teriam achado conveniente responsabilizar os judeus pela execução de Cristo e teriam usado a imagem de Judas para criar o estereótipo judeu. Assim, o governador romano Pôncio Pilatos teria um papel bem menor que o de sacerdotes judeus e Judas na morte de Jesus. Em pinturas da Idade Média, Judas é retratado com um nariz grande e adunco, em traços exagerados, geralmente associados aos semitas. Em A Divina Comédia, de Dante Alighieri, ele é relegado ao último dos círculos do Inferno, onde é devorado por Lúcifer. O teólogo Fernando Altemeyer, professor da PUC-SP, lembra que Judas não foi o único apóstolo a trair Jesus: “Os outros também o fizeram, ao abandonar o mestre. Pedro, por exemplo, negou o amigo três vezes”. O único a levar a culpa, no entanto, foi Judas.
Apesar de toda a polêmica, o Vaticano deixou claro que a divulgação do manuscrito não representará qualquer mudança de sua posição. No início do ano, o jornal britânico The Times afirmou que o monsenhor Walter Brandmuller, presidente do Comitê Pontifício para Ciências Históricas, estaria liderando uma comissão do Vaticano para reabilitar Judas – informação rapidamente negada por Brandmuller. “Não há nenhuma campanha no Vaticano, nenhum movimento para a reabilitação do traidor de Jesus”, afirmou o monsenhor, que definiu o documento como um “produto de uma fantasia religiosa”. Segundo Brandmuller, apesar de lançar luzes para melhor compreensão do cristianismo primitivo, o texto continuará sendo considerado herético pela Igreja Católica. Parece que ainda não será dessa vez que o último dos apóstolos conseguirá reverter a sua imagem de vilão.
As peripécias do papiro
Depois de ter sido descoberto no Egito nos anos 1970, o papiro com o Evangelho de Judas foi provavelmente roubado e contrabandeado. Em 2000, o documento chegou às mãos de uma comerciante grega de antiguidades e, no ano seguinte, foi entregue à Fundação Mecenas, na Suíça, para ser restaurado e traduzido. O acordo envolveu a National Geographic, que teria pago cerca de 1 milhão de dólares pelos direitos de publicação da história.

Seita gnóstica defendia Caim e Judas

O Evangelho de Judas foi escrito entre os séculos 3 e 4, provavelmente pelos cainitas, uma dentre as muitas seitas que faziam parte de um movimento religioso chamado de gnosticismo. Desenvolvido à margem do cristianismo institucionalizado, que o considerava uma heresia, o gnosticismo é originário de uma mistura de crenças cristãs, pagãs e judaicas. Combinando misticismo e especulação filosófica, os gnósticos se diziam portadores de conhecimentos secretos que os tornavam superiores às outras religiões. Os gnósticos acreditavam que as instituições não eram necessárias para encontrar deus: bastava um conhecimento profundo sobre si mesmo, a gnose. As instituições seriam a manifestação de um mundo que, na verdade, não passaria de ilusão. Ele teria sido criado por uma entidade inferior má que manteria o homem preso a uma realidade ilusória, impedindo-o de ver a sua verdadeira natureza. Só por meio do conhecimento seria possível acordar dessa espécie de pesadelo. A trama do filme Matrix (1999), sobre um programador de computadores que descobre viver numa realidade virtual criada e manipulada pelas máquinas, teria sido inspirada no gnosticismo. A entidade má da doutrina gnóstica seria Jeová, o deus criador do Velho Testamento. Mas também haveria um deus bom e generoso, associado ao do Novo Testamento, que teria enviado Jesus Cristo aos homens. Dentre os gnósticos, os cainitas eram uma seita especialmente radical. Caim, que fora amaldiçoado pelo deus mau por ter matado o próprio irmão, era visto como um libertador. Judas também.
A traição de Judas – uma história mal contada
“Afaste-se da boca enganosa e fique longe dos lábios falsos” (Pv 4, 24)
Introdução
É interessante como alguns temas bíblicos não resistem a uma análise mais profunda. Vários deles, que já tratamos em outros textos, nos levam a uma certeza que muitos trechos constantes da Bíblia trata-se de uma deliberada, mas sutil, montagem para se chegar a um objetivo previamente traçado. Daí, muitos textos foram amoldados a esse objetivo, passando por cima da verdade histórica que deveria conter tais escritos.
Muitas pessoas se chocam com atitudes como essa, a de uma análise crítica. Entretanto, não abrimos mão de fazer uso da inteligência com a qual nos dotou o Criador. Nós seres humanos racionais, que efetivamente somos, temos que usar esse dom, pois, não usá-la é abdicar da única capacidade que nos difere dos animais, por isso, acreditamos que só ofendemos a Deus, quando não utilizamos a nossa inteligência plenamente.
Reconhecemos, entretanto, ser muito difícil a inúmeras pessoas, principalmente as que não pesquisam, abandonar conhecimentos adquiridos, especialmente quando foram passados como verdades divinas sob coação ideológica. Ou seja, o simples questionamento da veracidade das mesmas já era, por si só, considerado como grave ofensa à divindade. Essa possibilidade de heresia acaba gerando um bloqueio mental em função do medo do conseqüente castigo por esse tipo de pecado. Assim, aceitamos sem o mínimo questionamento o que nos foi imposto como verdade absoluta. Com o tempo, passamos a defender idéias que nunca analisamos ou criticamos, como se nossas fossem.
O assunto que iremos tratar, desta vez, está relacionado a uma suposta traição a Jesus, que teria sido realizada por Judas Iscariotes, um de seus discípulos. Inclusive, tudo que consta na Bíblia sobre ele está somente nas passagens que iremos ver a seguir.
Análise das narrativas
Em Lucas 22,3-6, está escrito que, após satanás ter entrado em Judas, ele foi procurar os sacerdotes para ver de que maneira entregaria Jesus. Os sacerdotes ficaram tão satisfeitos com isso que combinaram em dar-lhe dinheiro, uma vez que eles desejavam, de há muito, eliminar esse herético. Tal acontecimento se deu, na versão de Lucas, antes da festa dos Ázimos, evidentemente, antes da ceia de páscoa, cujo prato principal eram os cordeiros que matavam especificamente para essa finalidade, entretanto, segundo João, esse fato se deu após a ceia (Jo 13, 26-29), apesar de que, um pouco antes, ele ter dito: “Enquanto ceavam, tendo já o diabo posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, que o traísse” (Jo 13,2), sendo, por conseguinte, omisso sobre qualquer combinação anterior entre Judas e os sacerdotes. Portanto, podemos verificar que há conflito entre as narrativas.
Quanto à questão dessa combinação com os sacerdotes, Mateus (26,15) diz que Judas pediu dinheiro para entregar-lhes Jesus, enquanto que Marcos (14,11) e Lucas (22, 5) afirmam que foram os sacerdotes é quem tomaram a iniciativa de retribuir ao discípulo, dando-lhe dinheiro como recompensa pelo seu ato ignominioso. Um bom observador irá perceber que, pelas suas narrativas, Mateus teve uma evidente preocupação, qual seja a de relacionar Jesus com as profecias, inclusive, muito mais que os outros Evangelistas. Daí ser ele o único que diz sobre o quanto Judas teria recebido, dando como certa a importância de trinta moedas de prata (Mt 26,15; 27,3). Essas passagens que falam disso são relacionadas a Zc 11,12-13, no pressuposto de que ela seja uma profecia, entretanto, os fatos ali narrados se referem ao próprio profeta Zacarias, não é, por conseguinte, uma revelação sobre algo que viesse a ocorrer no futuro.
Ao narrar os acontecimentos durante a ceia, Mateus relata que Jesus, ao responder aos discípulos sobre quem o iria trair, teria dito: “Quem vai me trair, é aquele que comigo põe a mão no prato. O Filho do Homem vai morrer, conforme a Escritura fala a respeito dele..." (Mt 26,23-24). Passagem relacionada ao Sl 41,10, onde Davi reclama sobre um amigo que o trai. O que nos leva a concluir que tal passagem não é uma profecia, assim, não poderia estar relacionada a Jesus, como querem os que buscam, nas Escrituras, apoio para seus dogmas. Davi foi traído por um amigo, seu próprio conselheiro, de nome Aquitofel, conforme narrativa em 2Sm 15,12.31. O final trágico da vida desse “amigo da onça” foi enforcar-se (2Sm17,23), por isso, querem, igualmente, atribuir esse mesmo destino a Judas, como iremos ver mais à frente.
Outra coisa que nos parece sem nenhum sentido, principalmente por tudo que Ele fez, é que Jesus tenha realmente se preocupado em delatar o seu traidor, conforme narra Jo 13,26, quando, para identificar quem o trairia, diz aos que o acompanhava, naquela ceia, que seria a quem desse um pão molhado, dito isso, imediatamente, entrega-o a Judas. Talvez a preocupação aqui seja buscar mais uma forma de relacionar tal episódio a uma suposta profecia sobre esse acontecimento.
Mateus (26,48) e Marcos (14,44) dizem que Judas havia combinado com os sacerdotes um sinal – o beijo – para que pudessem identificar quem era Jesus. Lucas, apesar de não relatar absolutamente nada sobre esse sinal, diz que Judas aproximando-se de Jesus o saúda com um beijo (Lc 22,47). Enquanto que João não fala de ter havido uma combinação de sinal, nem que Jesus teria dito algo a respeito e nem mesmo coloca Judas beijando a Jesus, já que, para ele, foi o Mestre que se adiantou aos guardas acompanhados de Judas se identificando a eles como sendo Jesus, o Nazareno, a quem procuravam (Jo 18,3-5). Fatos novamente conflitantes.
Nenhum outro evangelista, a não ser João, coloca Judas como sendo aquele que, entre os discípulos, cuidava da “bolsa” (Jo 13,29). Vai mais longe ainda, o acusa de ladrão (12,6). Como uma acusação grave dessa não foi feita por mais ninguém? Se Judas fosse realmente ladrão, por que motivo o deixaram tomando conta do dinheiro? Alguém colocaria um ladrão como seu administrador financeiro? Não seria, evidentemente, para colocar a honra desse discípulo em jogo, fórmula encontrada para se justificar que, por ser assim, ele não teria também nenhum escrúpulo em trair o seu próprio Mestre?
Não bastassem os que já encontramos, aparecem-nos agora mais dois evidentes conflitos.
O primeiro está relacionado à forma pela qual Judas deu cabo à sua vida, movido, segundo relata Mateus, por profundo remorso. Estranhamente ele é o único evangelista que fala disso, nenhum outro apresenta uma linha sequer sobre Judas ter se arrependido. Continuando seu relato Mateus diz que Judas enforcou-se (27, 5), entretanto em Atos (1,18) está se afirmando que ele “precipitando-se, caiu prostrado e arrebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram”, mudando-se, desta maneira, a versão anterior a respeito de sua morte. Encontramos a seguinte explicação para esse passo: “Possivelmente a narração da morte de Judas enforcando-se, está inspirada na história da morte de Aquitofel (cf. 2Sm 17,23)” (Bíblia Sagrada Santuário, p. 1463). Conforme citamos anteriormente Aquitofel enforcou-se, mas querer daí, apenas por inspiração, atribuir a Judas uma morte semelhante é lamentável, pois os fatos bíblicos deveriam relatar fielmente o ocorrido, não como o autor quer que tenha acontecido, o que nos coloca diante de uma mera suposição.
O segundo diz respeito ao destino dado às moedas. Mateus menciona que Judas as teria devolvido, atirado-as dentro do santuário, que recolhidas pelos sacerdotes foram, por deliberação, destinadas à compra do campo do oleiro, para servir de cemitério aos estrangeiros (27,3-10). Citando que isso aconteceu para se cumprir o que dissera o profeta Jeremias. Mas essa história parece-nos mal contada, pois em Atos se diz que o próprio Judas teria comprado um campo (At 1,18), que até poderia ser esse do oleiro, mas de qualquer forma está em conflito com a versão anterior.
Na maioria das Bíblias em que consultamos, dizem que as profecias relacionadas a Mt 27,9: “Cumpriu-se, então, o que foi dito pelo profeta Jeremias: Tomaram as trinta moedas de prata,, preço do que foi avaliado, a quem certos filhos de Israel avaliaram e deram-nas pelo campo do oleiro, assim como me ordenou o Senhor”, seriam: Zc 11,12-13 e Jr 32,5-16, ou Jr 18,1-4 e 19,1-3, havendo, portanto, sérias dúvidas quanto à identificação da profecia especifica relacionada ao episódio. Como já falamos sobre a citação de Zacarias, fica-nos, por conseguinte, apenas as de Jeremias para dizermos alguma coisa. Em notas explicativas sobre elas encontramos que: “A citação é uma combinação artificial de Jr 32,6-9 e Zc 11,12-12” (Bíblia do Peregrino, p. 2386), isso deixa-nos diante da realidade de que, por se admitir que seja “uma combinação artificial”, estamos, sem dúvida, diante de mais uma tentativa de se relacionar acontecimentos no Novo Testamento com ocorrências registradas no Antigo Testamento tidas como se fossem verdadeiras profecias.
Quem tiver a curiosidade de consultar a passagem citada de Zacarias não encontrará nela nenhum aspecto de profecia, são apenas fatos relacionados àquele momento vivido por esse profeta. E quanto a Jeremias, não se encontra absolutamente nada que ele tenha comprado alguma coisa por trinta moedas. Sobre a compra de um terreno, sim, como podemos ver em 32,1-44, mas uma situação circunstancial, explicada da seguinte forma:
“À primeira vista se trata de um incidente: a compra e venda de um terreno segundo as normas e o procedimento da legislação judaica. O narrador se compraz em registrar todos os detalhes, mostrando que a lei foi estritamente cumprida e que o ato é juridicamente válido. O surpreendente dessa compra-e-venda é que se realiza às vésperas da catástrofe inevitável. Que sentido tem nesse momento comprar um terreno para que fique em poder da família? Tudo já está perdido. Mas o absurdo do ato é a chave do seu sentido. Para efeitos legais imediatos, a compra nada servirá; para efeitos proféticos, é admirável ato de esperança no futuro. É um oráculo em ação, Jeremias profetiza ao vivo: não só palavras, nem ação simbólica, mas ato real jurídico. Esse ato significa o futuro que ele antecipa: a jarra de barro onde se guarda o contrato é um penhor que Deus concede. Apesar do que está para acontecer, a terra continua sendo propriedade dos judaítas: a terra prometida aos patriarcas e possuída durante séculos...” (Bíblia do Peregrino, p. 1928).
Podemos ainda confirmar isso com a seguinte explicação: “A citação [Mt 27,9] é tirada na realidade de Zacarias (11,12-13). Mas, ele lembra também diversos versículos de Jeremias onde se faz menção do campo e do oleiro (32,6-6; 18,2-12)”. (Bíblia Ave Maria, p. 1319). Ressaltamos que a expressão “ela lembra”, é uma afirmativa que depõe contra o próprio texto que, positivamente, diz ser de Jeremias essa profecia.
Conclusão
Percebemos que as narrativas possuem diversos fatos conflitantes entre si, deixando-nos na convicção que tudo não passa de um ajuste dos textos para se chegar a um objetivo pré-determinado, conforme já falávamos, desde o início. Para se ter uma idéia mais exata sobre isso, colocaremos a passagem Mateus 27,1-26, que, para tornar a explicação mais fácil de ser entendida, iremos dividi-la em três partes:
I) 1-2: De manhã cedo, todos os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo convocaram um conselho contra Jesus, para o condenarem à morte. Eles o amarraram e o levaram, e o entregaram a Pilatos, o governador.
II) 3-10: Então Judas, o traidor, ao ver que Jesus fora condenado, sentiu remorso, e foi devolver as trinta moedas de prata aos chefes dos sacerdotes e anciãos, dizendo: "Pequei, entregando à morte sangue inocente". Eles responderam: "E o que temos nós com isso? O problema é seu". Judas jogou as moedas no santuário, saiu, e foi enforcar-se. Recolhendo as moedas, os chefes dos sacerdotes disseram: "É contra a Lei colocá-las no tesouro do Templo, porque é preço de sangue". Então discutiram em conselho, e as deram em troca pelo Campo do Oleiro, para aí fazer o cemitério dos estrangeiros. É por isso que esse campo até hoje é chamado de "Campo de Sangue". Assim se cumpriu o que tinha dito o profeta Jeremias: "Eles pegaram as trinta moedas de prata - preço com que os israelitas o avaliaram - e as deram em troca pelo Campo do Oleiro, conforme o Senhor me ordenou".
III) 11-26: Jesus foi posto diante do governador, e este o interrogou: "Tu és o rei dos judeus?" Jesus declarou: "É você que está dizendo isso". E nada respondeu quando foi acusado pelos chefes dos sacerdotes e anciãos. Então Pilatos perguntou: "Não estás ouvindo de quanta coisa eles te acusam?" Mas Jesus não respondeu uma só palavra, e o governador ficou vivamente impressionado. Na festa da Páscoa, o governador costumava soltar o prisioneiro que a multidão quisesse...”
Para o que queremos colocar não é necessário citar toda a narrativa, assim omitimos o restante da seqüência dessa última (vv. 16-26), pois até aqui, no versículo 15, já encontramos o suficiente para entendermos e percebermos que os versículos de 3-10 nada têm a ver com o contexto geral daquilo relatado na passagem. Inclusive, no versículo 3 está dito que Judas viu que Jesus havia sido condenado, quando, no desenrolar do texto, esse fato ainda não havia acontecido, que só veio acontecer mais à frente. A quebra brusca na seqüência dessa narrativa, não deixou de ser percebida pelo tradutor da Bíblia do Peregrino, conforme nos explica:
“O episódio da morte de Judas interrompe estranhamente o curso do relato, como se a entrega de Jesus ao governador ultrapassasse suas previsões. Sabemos que a figura de Judas alimentou desde cedo fantasias legendárias. Lucas dá versão diferente (At 1,18-20). A morte violenta do perseguidor ou culpado é tema literário conhecido (p. ex. Absalão, 2Sm 18: Antíoco Epífanes, 2Mc9; em versão poética vários oráculos proféticos, p.ex. Is 14; Ez 28). Antes de morrer, Judas acrescenta seu testemunho sobre a inocência de Jesus. Confessa o pecado, mas desespera do perdão...” (pp. 2385-2386).
Isso vem confirmar todas as nossas suspeitas de que tudo foi um calculado arranjo visando ajustar os textos às conveniências dos interessados para que eles tivessem referências às suas idiossincrasias. E em relação ao assunto tratado, temos fortes suspeitas que vários outros trechos foram intercalados às narrativas bíblicas, para se amoldá-los ao propósito determinado. Podemos citar, como exemplo, Mt 26,14-16, 21-25, Mc 10,10-11; 14, 18-21, Lc 22,3-6, 21-23, para que você, caro leitor, faça uma análise mais aprofundada.
Ficamos a pensar como se sentiu e como ainda pode estar se sentido Judas sobre tudo quanto lhe imputaram como procedimento. O pobre coitado ainda é julgado e condenado, anos após anos, pelos ditos “cristãos”, que, com certeza, não cumprem: “Não julgueis os outros para não serdes julgados, porque com o julgamento com que julgardes, sereis julgados e com a medida que medirdes sereis medidos” (Mt 7,1-2). Não bastasse isso ainda é humilhado, malhado e, ao final, é espetacularmente “detonado”. Infelizmente esse nos parece ser o seu destino cruel, que se perpetua anualmente nas comemorações da Semana Santa realizadas por determinadas religiões cristãs tradicionais.

Posted by DJ BURP | às 11:59

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