AS 5 ÉRAS MITOLÓGICAS GREGO-ROMANAS
As Cinco Eras da Humanidade
Pandora foi quem iniciou a degradação da Humanidade. Para explicá-la, Hesíodo introduz o mito das Cinco Eras. Nesse mito, as raças parecem suceder-se segundo uma ordem de decadência progressiva e regular. De início, a humanidade gozava de uma vida paradisíaca, muito próxima da dos deuses, mas, se foi degenerando e decaindo até atingir a Era ou Idade do Ferro, em que o poeta lamenta viver, pois nessa, tudo é maldade: até a Vergonha e a Justiça abandonaram a Terra.
Cada uma das Idades está "aparentada" com um metal, cujo nome toma e cuja hierarquia se ordena do mais ao menos precioso, do superior ao inferior: Ouro, Prata, Bronze, Ferro. O que surpreende é que em todas as quatro Eras, cujo valor se afere pelos metais, Hesíodo tenha intercalado entre as duas últimas mais uma: a Era dos Heróis, que não possui correspondente metálico algum. Há os que procuram explicar o fato por uma preocupação historicista, já que o poeta sabia que antes dele tinham vivido homens e heróis notáveis, que se imortalizaram em Tróia e em Tebas.
Era de Ouro - Os homens mortais da Idade de Ouro foram criados pelos próprios imortais do Olimpo, durante o reinado de Crono. Viviam como deuses e como reis, tranquilos e em paz. O trabalho não existia, porque a terra espontaneamente produzia tudo para eles. Sua raça denomina-se de ouro, porque o ouro é o símbolo da realeza. Jamais envelheciam e sua morte assemelhava-se a um sono profundo. Após deixarem esta vida, recebiam o basíleion guéras, que quer dizer, o privilégio real, tornando-se daímones epikhthónioi,intermediários, aqui mesmo na terra entre os deuses e seus irmãos viventes. Esse basileion gnéras tem uma conotação toda especial, quando se leva em conta que os daimones epikhthónioi, esses grandes intermediários, assumem em "outra vida" as duas funções que, segundo a concepção mágico-religiosa da realeza, definem a virtude benéfica de um bom rei: como phýlakes, como guardiões dos homens, velam pela observância da justiça e, como plutodótai, como dispensadores de riquezas, favorecem a fecundidade do solo e dos rebanhos. Curioso é que Hesíodo emprega as mesmas expressões, que definem os "reis" da Era de Ouro, para qualificar os "reis" justos do seu século. Os homens da Era de Ouro viam hòs theoí, como deuses; os reis justos do tempo do poeta, quando avançam pela assembleia e, por meio de suas palavras mansas e sabias, fazem cessar a hýbris, o descomedimento, são saudados como theòs bós, como um deus. E assim como a terra, à época da Era de Ouro, era fecunda e generosa, igualmente a cidade, sob o governo de um rei justo, floresce em prosperidade sem limites. Ao contrário, o rei que não respeita o que simboliza seu sképtron, o seu cetro, afastando-se pela Hýbris do caminho que conduz à Díke, transforma a cidade em destruição, calamidade e fome. É que, por ordem de Zeus, trinta mil imortais invisíveis (que são os próprios daímones epikhthónioi) vigiam a piedade e a justiça dos reis. Nenhum deles, que se tenha desviado da Díke, deixará de ser castigado mais cedo ou mais tarde pela própria Díke.
Era de Prata - Foram mais uma vez os deuses, os criadores da raça de prata, que é também um metal precioso, mas inferior ao ouro. À soberania piedosa do rei da Era de Ouro fundamentada na Díke opõe-se uma "Hýbris louca". Tal Hýbris, porém, nada tem a ver com a Hýbris guerreira: os homens da idade de prata mantêm-se afastados tanto na guerra, quanto dos labores campestres. Essa Hýbris, esse descomedimento, é uma asébeia, uma impiedade, uma adikía, uma injustiça de caráter puramente religioso e teológico, uma vez que os "reis" da raça de prata se negam a oferecer sacrifícios aos deuses e a reconhecer a soberania de Zeus, senhor da Díke. Exterminados por Zeus, os homens da raça de prata, recebem, no entanto, após o castigo, honras menores é verdade, mas análogas às tributadas aos homens da Era de Ouro: tornam-se daímones hypokhthónioi, intermediários entre os deuses e os homens, mas agindo de baixo para cima, na outra vida. Além do mais, os mortais da raça agêntea apresentam fortes analogias com os Titãs: o mesmo caráter, a mesma função, o mesmo destino.
Orgulhosos e prepotentes, mutilam o seu pai Urano e disputam com Zeus o poder sobre o universo. Reis, pois que Titán em grego, em etimologia popular, aproxima-se de Titaks, rei, e Titéne, rainha, os Titãs têm por vocação o poder. Face a Zeus, todavia, que representa para Hesíodo a soberania da ordem, da Díke, aqueles que simbolizam o mando e a arrogância da desordem e da Hýbris. De um lado, portanto, estão Zeus e os homens da Era de Ouro, projeções do rei justo; de outro, os Titãs e os homens da Era de Prata, símbolos de seu contrário. Na realidade, o que se encontra no relato das duas primeiras eras é a estrutura mesma dos mitos hesiódicos da soberania.
Era de Bronze - Os homens da raça de bronze, consoante Hesíodo, foram criados por Zeus, mas sua matriz são os freixos, símbolo da guerra. Trata-se aqui da Hýbris militar, da violência bélica, que caracteriza o comportamento do homem na guerra. Assim, do plano religioso e jurídico se passou às manifestações da força bruta e do terror. Já não mais se cogita de justiça, do justo ou do injusto, ou de culto aos deuses. Os homens da Era de Bronze pertencem a uma raça que não come pão, quer dizer, são de uma era que não se ocupa com o trabalho da terra. Não são aniquilados por Zeus, mas sucumbem na guerra, uns sob os golpes dos outros, domados "por seus próprios braços", isto é, por sua própria força física. O próprio epíteto da era a que pertencem esses homens violentos tem um sentido simbólico. Ares, o deus da guerra, é chamado por Homero na Ilíada de Khálkeos, isto é, "de bronze". No pensamento grego, o bronze, pelas virtudes que lhe são atribuídas, sobretudo por sua eficácia apotropaica, está vinculado ao poder que ocultam as armas defensivas: couraça, escudo e capacete. Se o brilho metálico do bronze reluzente infunde terror ao inimigo, o som do bronze entrechocado, essa phoné, essa voz, que revela a natureza de um metal animado e vivente, rechaça os sortilégios dos adversários.
A par das armas defensivas, existe uma ofensiva também estreitamente ligada à indole e à origem dos guerreiros da Era do Bronze. Trata-se da lança ou dardo confeccionado de madeira especial, a melia, isto é, o "freixo". E não foi do freixo que nasceram, segundo Hesíodo, os homens da Era do Bronze? As ninfas mélias ou melíades, nascidas do sangue de Urano, estão intimamente unidas a essas árvores "de guerra" que se erguem até o céu como lanças, além de se associarem no mito a seres sobrenaturais que encarnam a figura do guerreiro. Jean-Pierre Vernant faz uma aproximação muito feliz do gigante Talos com os homens da raça de bronze. Esse Talos, guardião incansável da ilha de Creta, nascera de um freixo (melia) e tinha o corpo todo de bronze.
Como Aquiles, era o gigante cretense dotado de uma invulnerabilidade condicional, que somente a magia de Medeia foi capaz de destruir. Os Gigantes, "à cuja família" pertence Talos, representam uma confraria militar, dotada de uma invulnerabilidade condicional e em estreita relação com as ninfas Mélias ou Melíades. Na Teogonia o poeta "gerou os grandes Gigantes de armas faiscantes (porque eram de bronze), que têm em suas mãos compridas lanças (de freixo) e as ninfas que se chamam Mélias".
Assim entre a lança, atributo militar, e o cetro, atributo real da justiça e a paz, há uma diferença grande de valor e de nível. A lança há que submeter-se ao cetro. Quando isso não acontece, quando essa hierarquia é quebrada, a lança confunde-se com a Hýbris. Normalmente para o guerreiro, tributário da violência, a Hýbris dele se apodera, por estar voltado inteiramente para a lança. É o caso típico, entre outros, de Ceneu, o "lápita da lança", dotado como Talos, Aquiles e os Gigantes de uma invulnerabilidade condicional como todos os que passaram pela iniciação guerreira. Ceneu fincava sua lança sobre a praça pública, rendia-lhe um culto e obrigava a todos que por ali passassem a tributar-lhe honras divinas. Filhos da lança, indiferentes à Díke e aos deuses, os homens da raça de bronze, como os Gigantes, após a morte, foram lançados no Hades por Zeus, onde se dissiparam no anonimato da morte.
Era dos Heróis - A quarta era é a dos heróis, criados por Zeus, uma "raça mais justa e mais brava, raça divina dos heróis, que se denominam semideuses". Lendo-se, com atenção o que diz Hesíodo acerca dos heróis, nota-se logo que os mesmos formam dois escalões: os que, como os homens da era de bronze, se deixaram embriagar pela Hýbris, pela violência e pelo desprezo pelos deuses e os que, como guerreiros justos, reconhecendo seus limites, aceitaram submeter-se à ordem superior da Dike. Um exemplo bem claro desses dois escalões antitéticos é a tragédia de Ésquilo. Os sete contra Tebas: em cada uma das sete portas ergue-se um herói mordido pela Hýbris, que, como um gigante, profere contra os imortais e contra Zeus terríveis impropérios; a este se opõe outro herói, "mais justo e bravo", que temperado pela sophrosýne, pela prudência, respeita tudo quanto representa um valor sagrado. O primeiro escalão, os heróis da Hýbris, após a morte, são como os da Era de Bronze, lançados no Hades, onde se tornam nónymoi, mortos anônimos; o segundo, os heróis da Dike, recebem como prêmio, a Ilha dos Bem Aventurados, onde viverão para sempre como deuses imortais.
Era de Ferro - "Oxalá não tivesse eu que viver entre os homens da quinta era: melhor teria sido morrer mais cedo ou ter nascido mais tarde, por agora é a era de ferro..." Hesiodo em Trabalhos e Dias 174 - 176. No mito de Prometeu e Pandora, Hesíodo nos dá um panorama da Era de Ferro: doenças, a velhice e a morte; a ignorância do amanhã e as incertezas do futuro; a existência de Pandora, a mulher fatal, e a necessidade premente do trabalho. Uma junção de elementos tão díspares, mas que o poeta de Ascra distribui num quadro único. As duas Érides, as duas lutas, se constituem na essência da Era de Ferro.
A causa de tudo foi o desafio a Zeus por parte de Prometeu e o envio de Pandora (vide mito de pandora). Desse modo, o mito de Prometeu e Pandora forma as duas faces de uma só moeda: a miséria humana na Era de Ferro. A necessidade de sofrer e batalhar na terra para obter o alimento é igualmente para o homem a necessidade de gerar através da mulher, nascer e morrer, suportar diariamente a angústia e a esperança de um amanhã incerto. É que a Era de Ferro tem uma existência ambivalente e ambígua, em que o bem e o mal não estão somente amalgamados, mas ainda são solidários e indissolúveis. Eis aí por que o homem, rico de misérias nesta vida, não obstante se agarra a Pandora, "o mal amável", que os deuses ironicamente lhe enviaram. Se este "mal tão belo" não houvesse retirado a tampa da jarra, em que estavam encerrados todos os males, os homens continuariam a viver como antes, "livres de sofrimento, do trabalho penoso e das enfermidades dolorosas que trazem a morte". As desgraças, porém despejaram-se pelo mundo; resta, todavia, a Esperança, pois afinal a vida não é apenas infortúnio: compete ao homem escolher entre o bem e o mal. Pandora é, pois, o símbolo dessa ambiguidade em que vivemos.
Em seu duplo aspecto de mulher e de terra, Pandora expressa a função da fecundidade, tal qual se manifesta na Era de Ferro na produção de alimentos e na reprodução da vida. Já não existe mais a abundância espontânea da Era de Ouro; de agora em diante é o homem quem deposita a sua semente (spérma) no seio da mulher, como o agricultor a introduz penosamente nas entranhas da terra. Toda riqueza adquirida tem, em contrapartida, o seu preço. Para a Era de Ferro a terra e a mulher são simultaneamente princípios de fecundidade e potências de destruição: consomem a energia do homem, destruindo-lhe, em conseqüência, os esforços; "esgotam-no, por mais vigoroso que seja", entregando-o à velhice e à morte, "ao depositar no ventre de ambas" o fruto de sua fadiga.
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